A seca extrema que atinge a Amazônia tem sido decisiva para as queimadas dispararem na região. A situação mais alarmante é a do estado do Amazonas, que de 1o a 15 de outubro somou 2.929 focos de fogo – número 93% superior à média histórica registrada no mês inteiro desde 2002, quando o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) começou a monitorar as queimadas no bioma. O salto é ainda mais impressionante na comparação com a primeira quinzena de outubro do ano passado: 152%. As informações são do WWF Brasil.
O cenário é tão preocupante que a capital, Manaus, chegou a ficar coberta por fumaça. E a Secretaria Municipal de Saúde relatou crescimento de quase 24% em atendimentos por causas respiratórias nos primeiros 10 dias do mês – 143 pacientes assistidos pelo SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), ante 116 no mesmo período de 2022.
Se considerada toda a Amazônia, foram computados 10.801 focos de queimadas entre 1o e 15 de outubro deste ano. Quatro de cada 10 – ou 4.349 – ocorreram no Pará, estado que historicamente concentra o maior número de queimadas no bioma.
Edegar de Oliveira, diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, assinala que o contexto poderia ser ainda mais grave se não fosse a redução do desmatamento observada nos últimos meses, já que o fogo costuma ser usado para a limpeza definitiva de terrenos e normalmente é a última etapa da destruição da floresta. De janeiro a setembro de 2023, segundo o Inpe, a área sob alertas de desmatamento recuou 49,5% na comparação com os primeiros nove meses do ano passado.
“O fogo está fora de controle em regiões que tradicionalmente não queimavam com tanta intensidade”, salienta Oliveira. “Queimadas são mais comuns em locais mais desmatados e de floresta mais degradada. Mas estamos vendo grandes queimadas no Amazonas, que tem 90% de seu território conservado. Isso indica que a seca extrema que o bioma está enfrentando responde por boa parte do agravamento da crise.”
Oliveira acrescenta que, além do Amazonas, o Acre também passa por uma situação preocupante, com as queimadas batendo recordes históricos. De 1o a 15 de outubro, houve 1.134 focos de fogo no estado: 35% a mais do que os 839 detectados no mesmo período de 2022. Desde 2002, conforme dados do Inpe, essa quantidade só foi superada em 2020, quando foram contabilizados 1.429 focos na primeira quinzena do mês.
Combinação de fenômenos
A principal razão para o grande número de queimadas na Amazônia é a seca extrema, provocada por uma combinação de fenômenos produzidos pelas mudanças climáticas e um forte El Niño. A estiagem, que está resultando em temperaturas mais altas que o normal, facilita a disseminação do fogo, desencadeando uma tragédia humana e ambiental na região. Um problema que atinge principalmente a Amazônia Ocidental, que compreende os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.
Alguns dos principais rios da Amazônia estão secando, impedindo o acesso de embarcações e isolando comunidades inteiras. Em diversas localidades os rios já estão intransitáveis, impossibilitando o transporte de alimentos e medicamentos e o abastecimento de água. Mais de 500 mil pessoas já foram impactadas. Foi decretado, por exemplo, estado de emergência em 55 dos 62 municípios do Amazonas e em Rio Branco, no Acre.
A fauna também tem sido castigada. Desde 23 de setembro, com a seca se alastrando fortemente e a temperatura da água subindo, 153 botos foram encontrados mortos: 130 cor-de-rosa e 23 da espécie tucuxi, de acordo com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). Apenas no dia 28, quando a temperatura da água bateu 39,1°C, foram registradas 70 carcaças de botos, além de centenas de peixes. Desde o início dessa emergência ambiental e sanitária, integrantes do IDSM e de pelo menos outras 21 organizações, incluindo o WWF-Brasil, estão correndo contra o tempo para mitigar os impactos sobre o Lago Tefé, no Médio Solimões, interior do estado do Amazonas.
Em 16 de outubro, o Rio Negro chegou a 13,59 metros em Manaus, a menor marca da história desde 1902. Três dias antes, presente na capital do Amazonas, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, destacou que o desmatamento excessivo registrado nos anos anteriores contribuíram decisivamente para o cenário atual.
“O principal vetor das queimadas é o desmatamento. Não existe fogo natural na Amazônia”, ressaltou a ministra. “É uma situação de extrema gravidade porque há cruzamento de três fatores: grande estiagem provocada pelo El Niño, matéria orgânica em grande quantidade ressecada e ateamento de fogo em propriedade particulares e dentro de áreas públicas de forma criminosa”.
Marina anunciou que 100 brigadistas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) seriam enviados ao Amazonas para auxiliar no combate às queimadas. Pelo menos 200 já trabalham para debelar os incêndios. Ibama e ICMBio também doarão ao estado 200 kits com equipamentos de proteção individual e de combate ao fogo, como capacetes, balaclavas, óculos, lanternas de cabeça e cantis.
Ponto de não-retorno
Para a ciência, a Amazônia já está sentindo os efeitos da crise apontada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) há vários anos: a alternância cada vez mais frequente de eventos extremos – sejam secas ou cheias severas.
Esse cenário de alternância rápida entre extremos – como o que está ocorrendo no Rio Negro, que em meados de 2021 teve a maior cheia em 120 anos, inundando cidades inteiras por meses, e vive agora em outubro sua maior seca – é resultado de processos complexos ligados a mudanças climáticas que afetam várias partes do mundo. Mas, na Amazônia, têm seus efeitos locais exacerbados pelo desmatamento e pelas queimadas.
Especialistas que estudam a ecologia e a hidrologia do bioma temem que a combinação desses fatores produza um desequilíbrio que poderá levar a maior floresta tropical do mundo – ou pelo menos vastas partes dela – a um ponto de não-retorno, a partir do qual os rios e a floresta não conseguirão mais se recuperar.
“A combinação de mudanças climáticas, El Niño e desmatamento desenfreado contribui para o agravamento e prolongamento da seca, que, por sua vez, leva ao aumento das queimadas, o que tende a exacerbar ainda mais os efeitos da estiagem, afetando o regime de chuvas. Isso impacta não apenas na vida dos povos locais, mas afeta também a economia e a segurança hídrica de outras regiões do país, pois o que acontece na Amazônia interfere nos demais biomas”, destaca Edegar de Oliveira, do WWF-Brasil.
O que o WWF-Brasil está fazendo
O WWF-Brasil tem agido em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que está liderando o resgate de botos na região de Tefé, no interior do Amazonas, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos veterinários e apoio logístico para o deslocamento de voluntários.
Também estamos em contato com parceiros locais e mobilizados para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Neste momento, nossa principal frente de atuação é no fornecimento de alimentos para comunidades impactadas pelo desabastecimento.