O WWF Brasil informou que com o crescimento do número de mortes de golfinhos no Lago Coari, no interior do estado do Amazonas, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) decidiu assumir a liderança da força-tarefa que atua na área. Sobre isso, um novo protocolo de monitoramento poderia ser estabelecido no lago principal do município, onde 70 carcaças foram registradas até o momento, a fim de investigar o motivo dos óbitos.
Somando os 159 casos documentados em Tefé desde o início da crise que afeta o estado, o número de animais das espécies de golfinhos-de-rio-de-rosa (Inia geoffrensis) e golfinho do rio tucuxi (Sotalia fluviatilis) que perderam suas vidas agora chega a 229.
“Ao contrário do que aconteceu em Tefé, aqui a temperatura da água não subiu tanto. Atingiu um máximo de 34o Celsius desde o início das medições, há duas semanas. No entanto, identificamos uma maior concentração de Euglena sanguinea, uma alga que pode ser tóxica para os peixes. Mas não há estudos que comprovem se também é tóxico para os mamíferos”, diz o professor Waleska Gravena, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), que lidera a operação em Coari desde o início. “O que aumenta o mistério e as dúvidas é que a proliferação desse tipo de alga ocorre devido à incidência de radiação solar por muitos dias.”
Como os animais foram encontrados espalhados por todo o Lago Coari, de acordo com Waleska, uma das hipóteses é que eles morreram em outros pontos, alguns deles inacessíveis à equipe de pesquisa, e as carcaças acabaram sendo realizadas pela corrente. “Embora em Tefé a causa da morte não tenha sido a contaminação da água, estamos coletando amostras para análise laboratorial para avaliar o nível de toxicidade. Além disso, as carcaças serão necropsiadas”, acrescenta o professor. Alguns deles mostram sinais de interação com os seres humanos, como marcas de redes de pesca e cortes na cauda. A região é conhecida pela atividade de caçadores de peixes-boi.
A equipe do ICMBio que chega à Coari se juntará a profissionais da UFAM, que coordenou a operação até agora por meio do professor Waleska, e da Sea Shepherd Brasil, uma ONG para a conservação de animais aquáticos. Outras pessoas que foram decisivas em Tefé também reforçaram a equipe, incluindo três do Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (IDSM) – oceanógrafo Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa de Mamíferos Amazônicos, e os pesquisadores Ayan Fleischmann e André Zumak, do Grupo de Pesquisa em Geociências e Dinâmica Ambiental da Amazônia –, além de Mariana Paschoalini Frias, analista de conservação da WWF-Brasil. Outro apoio, como a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, também é esperado.
A situação em Tefé
O IDSM, que continua a monitorar o Lago Tefé e não detectou comportamento anormal entre os golfinhos, destaca que esse período de movimento da água é fundamental para os golfinhos do rio, à medida que novas ondas de mortes em massa podem ocorrer. “Tenho certeza de que houve mortes em outros lugares porque há mais de 50 lagos na região”, alerta Miriam Marmontel. “Esta é a primeira vez no mundo que o calor e a crise climática matam os mamíferos aquáticos dessa maneira. O que está acontecendo na Amazônia é comparável ao que está acontecendo no Ártico com morsas e ursos polares.
Se no Ártico estão morrendo devido ao derretimento das geleiras, na Amazônia uma das consequências mais sérias da mudança climática para a fauna aquática é o aumento da temperatura dos corpos hídricos, que em 2023 foi agravada por um Oceano Atlântico Atlântico Atlântico Norte anormalmente quente e um fenômeno El Nino, gerando uma seca sem precedentes no bioma. Todos os 62 municípios do Amazonas, por exemplo, estão em estado de emergência, segundo a Defesa Civil. Até agora, mais de 600 mil pessoas foram prejudicadas.
“Secas e inundações extremas acontecerão com frequência e intensidade crescentes. E a tendência é que a situação na região amazônica se agrave, pois a expectativa é que no próximo ano o El Nino seja ainda mais forte”, destaca Miriam. “Os golfinhos do rio são perfeitamente adaptáveis ao movimento da água durante as inundações, eles se movem com tremenda flexibilidade na floresta inundada para se alimentar. Mas não estão adaptados à seca. Reverter esse cenário não depende de nós, pesquisadores, depende de toda a humanidade se mobilizar.
Estresse térmico
Ayan Fleischmann, também do IDSM, aponta que em Tefé a hipótese mais provável é que, como resultado do estresse térmico, os animais pararam de comer e, portanto, perderam a capacidade de regular a temperatura corporal. “Em situações como essa, a pressão arterial aumenta e pode haver um colapso cerebral, como congestionamento ou derrame. Mas ainda estamos esperando que as análises histopatológicas descubram isso”, diz ele. “Se o aumento da pressão arterial for confirmado nos testes, teremos descoberto da pior maneira possível o limite de temperatura que os golfinhos podem suportar. É por isso que os próximos anos nos aterrorizam.”
A crise em Tefé eclodiu em 23 de setembro. No dia 28 do mesmo mês, o dia mais mortal para os animais no município, quando a temperatura da água atingiu 39,1oC em Papucu Cove, 70 golfinhos do rio perderam a vida. “Acima de Papucu, medimos quase 41oC, mas a temperatura caiu ao longo de seu curso até atingir 33oC ou 32oC no rio Solimões. Vimos que o fluxo de água estava dissipando o calor”, diz Fleischmann.
Entre os resultados documentados até o momento pela força-tarefa em operação em Tefé, não há evidências de agentes infecciosos relacionados à principal causa de mortalidade. O diagnóstico molecular também foi negativo para os agentes infecciosos Morbillivirus, Toxoplasma, Clostridium, Mycobacterium e Pan-fungal, que estão associados a mortes em massa de cetáceos.
Várias instituições participaram da operação envolvendo os golfinhos do rio, incluindo: Consultoria Aiuká para Soluções Ambientais, Aqua Viridi, Aquase, Corpo de Bombeiros do Tefé, Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Amazonas, Associação Europeia de Mamíferos Aquáticos, Exército Brasileiro, Associação Brasileira do Exército, Amigos da Associação do Zoológico de Amigos de Nuremberg, Fundação de Mamíferos Aquáticos, Fundación Mundo Marino, GRAD – Grupo de Resgate de Animais de Desastres, Greenpeace, IBAMA – Instituto Nacional de Saúde do AmbienteAqualie, Instituto de Baleias Jubartes, Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal, IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, Lapcom-USP, Loro Parque Fundación, Marinha do Brasil, Fundação Nacional de Mamões Marinhos, Zoológico de Nuremberga, Oceanogràfic Valéncia, Planéte Sauvage, Polícia Militar do Estado do Amazonas, Tefé Parque City, R3Secretaria Municipal para o Ambiente e Conservação de Tefé, Universidade de Las Palmas de Gran Canaria, WWF-Alemanha, WWF-Ásia, WWF-Brasil, WWF-Reino Unido, YAQU PACHA e Zoomarine Portugal.
O que o WWF-Brasil está fazendo
O WWF-Brasil vem trabalhando em parceria com a IDSM e a força-tarefa em Coari, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPI), suprimentos veterinários e apoio logístico para o movimento de voluntários. Também está em contato com parceiros locais e mobilizado para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como povos indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Neste momento, nossa principal área de atuação é a distribuição de alimentos para comunidades afetadas pela escassez. Também estamos trabalhando no fornecimento de equipamentos para bombeiros combatendo brigadas, devido aos intensos incêndios florestais que vêm ocorrendo na região.
“Na Amazônia, estamos passando por uma seca histórica, com incêndios florestais e altas temperaturas, causada pelo aumento do desmatamento e intensificada pelo El Nino. As consequências dessa seca são graves para as populações locais e a biodiversidade, tanto que já registramos a morte de 229 golfinhos da região”, diz Mariana Paschoalini Frias, analista de conservação do WWF-Brasil e coordenadora da SARDI (Iniciativa Sul-Americana para Golfinhos do Rio). “Esta tragédia mostra a urgência de adotar medidas conjuntas para conservar a Amazônia, um bioma chave para a dinâmica climática em todo o mundo, e golfinhos-rio, espécies que são fundamentais para o equilíbrio ecológico e que nos permitem avaliar o estado de saúde dos ecossistemas onde eles vivem.”