Nunca antes tanta cocaína esteve disponível no mundo — e nunca tantas pessoas consumiram a droga. Dados do Relatório Mundial sobre Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2024 mostram que o mercado ilegal de cocaína atingiu seu recorde nos últimos anos. As informações são da jornalista Júlia Braum, da BBC Brasil em Londres.
A alta é motivada por um aumento na oferta diante da alta produtividade na América Latina, mas também de um crescimento na procura pela droga em todo o planeta.
Apesar do número de apreensões ter crescido exponencialmente nos últimos anos — em uma taxa inclusive superior à da expansão do mercado —, o saldo final ainda é de um aumento considerável na disponibilidade de cocaína.
Enquanto o preço da cocaína segue estável há meses em muitos países, a droga vendida ilegalmente está cada vez mais pura.
“Na prática, a cocaína está mais barata, porque, pelo mesmo preço, é possível comprar a droga bem mais pura”, avalia Thomas Pietschmann, um dos pesquisadores responsáveis pelos relatórios elaborados anualmente pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
Embora especialistas admitam que os dados sobre a composição das drogas comercializadas no mundo são mais confiáveis nos países europeus, eles afirmam também que a tendência no crescimento na pureza da cocaína já é uma realidade mundo.
“A cocaína lançada hoje no mercado é mais pura do que nunca — e ainda é vendida a preços comparativamente mais baixos”, afirma Bernd Werse, diretor do Centro de Pesquisa de Drogas (CDR) da Universidade de Frankfurt.
O cenário de crescimento global da droga, por sua vez, impacta diretamente no aumento do consumo nos países de trânsito do tráfico, entre eles o Brasil.
‘Cocaína de sobra’
A abundância de cocaína no mercado atual tem sua origem especialmente na América do Sul, mais especificamente na Colômbia, na Bolívia e no Peru.
A cocaína é extraída das folhas da planta de coca, chamada oficialmente de Erythroxylon coca, que é nativa desses países.
Para produzir a droga, as folhas de coca são maceradas na presença de ácido sulfúrico, resultando em uma pasta. Ao misturar essa pasta com ácido clorídrico, os criminosos produzem o cloridrato de cocaína, conhecido como cocaína em pó.
Os três países sul-americanos são responsáveis por quase 100% da produção mundial de coca, apesar de novos campos de cultivo serem encontrados pelas autoridades em outros países de tempos em tempos.
Estima-se que, só de cocaína pura, tenham sido produzidas cerca de 2,757 toneladas em 2022 — um aumento de 20% em relação a 2021 —, segundo a ONU.
Laurent Laniel, pesquisador da Agência de Drogas da União Europeia (Euda, na sigla em inglês), atribui o cenário às inovações incorporadas ao cultivo nos últimos anos, com mais investimentos em fertilizantes e investigação genética para obtenção de mais e novas variedades de coca.
“Os produtores usam cada vez mais espécies que possuem maior quantidade de cocaína em suas folhas, são mais resistentes à fumigação [em ações de combate às plantações] e rendem mais de maneira geral”, diz.
Ao mesmo tempo, também foi registrado um crescimento no cultivo da coca. Entre 2021 e 2022, a área cultivada aumentou 12%, chegando a 355 mil hectares.
Só na Colômbia, o país líder em produção, a área cultivada cresceu mais de 25 mil hectares — o equivalente a aproximadamente 34 mil campos de futebol — entre 2021 e 2022.
Em 2023, segundo dados do Ministério da Defesa, havia 246 mil hectares de coca cultivados no país — o equivalente a cerca de um terço da área dedicada ao cultivo de café, o produto agrícola mais exportado pela economia local.
Na Colômbia, em especial, uma mudança na estratégia adotada pelo governo para combater as culturas ilícitas impulsionou a ampliação do cultivo.
Durante anos, o governo colombiano usou a fumigação aérea com glifosato para acabar com as plantações.
Essa política, estreitamente alinhada com as recomendações dos Estados Unidos, foi suspensa em 2015 devido a dúvidas sobre os efeitos do uso desse herbicida na saúde.
Ana María Rueda, coordenadora da área de Políticas sobre Drogas da Fundação Ideias para a Paz, explicou em entrevista à BBC News Mundo que “na ausência de pulverização aérea, o arbusto de coca atinge os seus níveis máximos de produtividade”.
Ou seja, a mesma planta de coca produz mais cloridrato de cocaína e podem ser produzidas seis colheitas por ano, em vez de três.
Segundo especialistas, o aumento na produção de cocaína no mundo e o cultivo de plantas mais “potentes” ajuda a explicar não só a grande disponibilidade da droga no mercado mundial, mas também a alta na pureza das substâncias apesar da estabilidade nos preços.
“Há muita cocaína na Colômbia, há mais cocaína na Bolívia e no Peru, há mais opções de onde comprar, e há mais cocaína em todo o mercado. Isso dá ao traficante a liberdade de estabelecer novas condições”, diz Ana María Rueda.