Por Walter Junio
Era uma terça-feira, Dia de São José, quando os fogos de artifício anunciaram a fundação, por volta das 12h, do Terreiro Preta Mina há exatos 51 anos, em um bairro tradicional da capital do Amazonas.
A missão espiritual, ordenada pela entidade Preta Mina, foi concedida ao manauense e babalorixá Adalberto Nunes da Silva Tatazazi de Xangô.
Desde a década de 1970, o bairro Educandos, zona Sul de Manaus, recebeu centenas de filhos, de consulentes, e demais simpatizantes, que presenciaram de perto a potência do axé da casa sagrada, que durante todo o período, tem sido um braço social importante na comunidade, sobretudo aos hipossuficientes.
A missão espiritual recebida por Pai Adalberto rendeu-lhe, em junho de 2024, o título “doutor honoris causa” da Asbrac (Associação Brasileira de Capelania Civil), no Sindicato dos Metalúrgicos e Metalúrgicas do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). A honraria acadêmica se deu em reconhecimento ao trabalho fraternal que o babalorixá desempenha no Estado do Amazonas, por meio do Terreiro Preta Mina e do Instituto Preta Mina.
Confira a entrevista exclusiva com o pai Adalberto e um pouco do Terreiro Preta Mina nestes 51 anos de história no Amazonas.
Amazonas Hoje – Pai Adalberto, o senhor iniciou a vida no Axé com quantos anos de idade e em qual casa?
Pai Adalberto – Com 13 anos. Foi quando eu comecei a incorporar. Eu já tenho incorporação desde os 13 anos. Eu, com meus 15 anos até meus 17 anos, eu vim pra casa de Mãe Raimunda, aqui no Educandos, no Cipriano, que hoje não está entre nós. E, quando foi em 1973, Preta Mina surgiu na minha vida. E, até hoje, ela quem impera na casa; ela quem comanda tudo, aqui, sobre a casa. E, em 1976, eu fui iniciado no Sagrado em São Paulo, numa Casa de Igones de Oxum. E, estou, aqui, até hoje. Sou fundador dessa casa. Ela foi fundada em 1974.
Amazonas Hoje – Como o senhor pode descrever a missão espiritual que o guiou a formar esse terreiro?
Pai Adalberto – Isso aqui são mistérios que eu acho que nem eu sei como eu cheguei ao patamar que eu me encontro, hoje. Então, é muita estrada, é muito chão. São muitas provações, se você está entendendo. Quer dizer, praticamente a gente não tem vida. É a vida só praticamente a serviço do outro. E, a gente sabe como é difícil. É assim, um vapt-vupt, muito rápido. Sabe que quando você pensa que não é feito um negócio. Vamos voltar um pouquinho? Um dia desse eu tinha 15 anos, eu vou fazer 70. E aí? O que eu vivi? Estou, aqui, até hoje, dentro da espiritualidade, tenho orgulho de ser espírita, certo? Pelos benefícios, através de mim, eu faço pelo próximo, né?
Então isso aí me preenche muito.
Amazonas Hoje – E na formação da Casa, quem lhe influenciou? Quem lhe apoiou, ajudou a colocar esse terreiro de pé?
Pai Adalberto – Quem me ajudou na realidade, como pessoa, não está mais entre nós. Quando eu comecei isso aqui, eram 17 senhoras que me acompanhavam, todas elas consideradas pessoas especiais, tiradas lá do Eduardo Ribeiro (Hospital Psiquiátrico), diretamente para a minha casa. E, foi indo, e quando eu pensei que não, isso aqui, tudo aqui que você mesmo conhece.
Amazonas Hoje – E nesses 51 anos de Casa, algum episódio que mexe com o senhor, que lhe emociona em especial?
Pai Adalberto – Olha, têm vários. O que mais me emociona é de uma senhora que chegou aqui, que tinha um trabalho de destruição na família dela. Ela tinha 49 anos. E ela era uma alcoólatra total, jogada na sarjeta. E, depois de todo o benefício que ela recebeu através da espiritualidade, aqui, o câncer veio. E como fazia parte totalmente de bruxaria, e foi destruído, então tinha que vir porque já estava no organismo dela, né?
E ela foi curada. Ela foi curada. Hoje, ela está bem. Isso aí me emociona muito. Quando eu vejo ela, me emociona, e, ao mesmo tempo, me alegra por eu ver ela, ali, viva, entre nós ainda.
Amazonas Hoje – Quantos filhos de santo hoje o senhor tem?
Pai Adalberto – Que são distribuídos aqui em Manaus, pelo Brasil, no mundo? Eu acredito que na faixa dos 400 ou muito mais. Não são só filhos. São netos, bisnetos. Não é só aqui no Brasil, como em Portugal, como na Itália, em Barcelona (Espanha), em Londres (Inglaterra), certo? Colômbia, onde tem o maior número de filhos de santos que eu tenho. Na Venezuela também, certo? E por aí vai.
Amazonas Hoje – E, além das funções da casa, existe o Instituto Preta Mina: O que motivou a criação do Instituto?
Pai Adalberto – Olha, o que me motivou a montar é devido à comunidade, à carência da comunidade. E, você sabe muito bem que praticamente eu moro só, mas eu nunca me alimento só. Essa casa todo dia alimenta de 30 a 35 pessoas. Ela não está com as portas fechadas. Ela voltou, e está voltando com todas as forças para ajudar a comunidade. Toda uma vida, procurei ajudar ao próximo.
Amazonas Hoje – Qual a responsabilidade de “receber na cabeça” o orixá Xangô, conhecido com o orixá da Justiça?
Pai Adalberto – Xangô, meu pai. O homem da Justiça, da disciplina. É o medo que eu tenho de errar com o meu próximo. Porque a machada do meu pai tem os dois lados: ela corta tanto indo quanto voltando. Eu não sou a palmatória do mundo, porque não existe o certo e não existe o honesto. Porque o honesto é o ladrão do seu próprio bolso. Mas dentro da espiritualidade, você tem de ser honesto com você próprio, para que você possa ser honesto com os demais que vêm. É por aí que eu atuo e eu acredito que meu pai lidera por aí.
Amazonas Hoje – Tambor de mina, umbanda, candomblé: falta mais união entre os adeptos do axé ou as religiões de matrizes africanas estão cada vez mais ganhando espaço e rompendo as barreiras do racismo?
Pai Adalberto – Se as pessoas em Manaus tivessem noção e mais um pouco de conhecimento, principalmente, sobre o que a gente faz e como nós somos dentro da espiritualidade. Se a vida é nação, o que é omoloko? Nós somos uma nação unida. Então, estamos aqui para se unir, para crescer, junto dos demais. Enquanto, muitos falam um monte de bobagem dizendo que nos censuram, que acham que omoloko, que nós somos omoloko, um candomblé de caboclo, que é uma Angola pé duro. É uma nação unida.
Amazonas Hoje – Qual a diferença do omoloko entre as demais crenças?
Pai Adalberto – Omoloko é uma nação unida, um candomblé de caboclo. Ou seja, a gente não raspa, mas se catula. Não adoxamos. Não carregamos quelê. Carregamos o mokã e senzala. Omoloko é uma nação unida. Do jeito que somos umas raízes de Angola, poderemos ser de raízes de Ketu, de Jeje, de Xambá. Ou seja, de qualquer uma nação.
Volto a repetir, Omoloko é uma nação unida, onde a gente cuida de todos os orixás. De Exu a Oxalá.
Amazonas Hoje – Qual a sua mensagem o senhor quer finalizar esta entrevista?
Pai Adalberto – Eu queria que tivesse mais um pouquinho de união entre nós. Em vez de criticar o próximo, eu me juntar e a gente crescer para que a gente pudesse adquirir muito mais sabedoria; para a gente ajudar muito mais o próximo.
Sobre Pai Adalberto de Xangô
Filho de Maria Galvão, uma dona de casa muito humilde, Adalberto Nunes aos 13 anos de idade recebeu seu primeiro guia espiritual, caboclo Pena Verde.
Em 23 de Agosto de 1973 recebeu Preta Mina.
Preta Mina surgiu na sua vida. Foi a entidade Preta Mina que ordenou que naquele terreno, já pertencente à família do Tatazazi, iniciassem os trabalhos de atendimento ao público.
Em 19 de março de 1974, o Recanto de Preta Mina é aberto para atendimento.. Embora, tenha prevalecido a ordem de Preta Mina para darem início aos trabalhos, Adalberto Nunes ainda não era iniciado ao culto, não possuía formação para ser dirigente de um templo espiritual. Dona Mina o encaminha então para ser iniciado no culto de Omolokô, na Tenda de Umbanda Caboclo Girassol e Pai João Gonçalves pela Yalorixá Ivone D’Oxum em 19 de outubro de 1976, em São Paulo, onde paga suas obrigações aos orixás e dá continuidade aos trabalhos espirituais.
Durante esse tempo, Adalberto Nunes foi metalúrgico para seu sustento e sempre ajudou a comunidade que vive em vulnerabilidade social.
Em suas lembranças, panelas enormes de sopa para doar a quem não tinha o que comer.
Em 07 de Julho de 2005, ele fundou o Instituto Preta Mina. Uma vida inteira dedicada à fé, à caridade e ao amor ao próximo.