“Em um tempo que se perde no tempo, tudo era somente potência. A Terra era informe e vazia; contudo, o Espírito da Vida estava prestes a fecundá-la”. Este “casamento” entre Terra e Vida teria um futuro longo e exitoso. A Vida a estreitou em um abraço e se espalhou na terra firme, nas águas e em suas entranhas.
De corpos simples até estruturas mais complexas, novos atributos vieram: a dose necessária de inteligência instintiva para a sobrevivência e para a perpetuação da espécie. Depois, seres maiores, que logo percorreriam a Terra, sozinhos ou em bandos, cumprindo seu papel, capazes de compreender as estações de sua casa/planeta e se adequarem a elas.
Mas a vida ainda não havia apresentado sua obra prima: um ser com consciência reflexiva, capaz de ver a si como mortal, de examinar a natureza ao redor e de buscar mil “porquês” para tudo. Seu esboço também foi se desenvolvendo, à custa de experiências dolorosas por muitas eras, até chegar a algo “melhor acabado”: ereto sobre a terra, veste-se com elegância e age com bons modos; percebe a beleza e procura evocá-la em suas obras; aperfeiçoa cada vez mais suas ferramentas, moradias, comunidades. Desenvolve a Ética e procura praticá-la; outras ferramentas mais sutis, como o amor, a vontade, a compaixão, a generosidade e a confiança começam a emergir, e este ser denominado “Humanidade” aprende a usá-las em velocidades desiguais, uma vez que seus componentes não são idênticos, mas um mosaico maravilhoso de diferenças que, harmonizadas, constituem a obra mais perfeita já assinada pela natureza.
Porém algo tão maravilhoso também demanda “ajustes”, uma vez que é sujeito a esquecimentos: esquece que todas as vidas são tão importantes quanto a sua e que devem ser respeitadas; renega todo aquele que se mostra diferente, arrogando-se o direito de se achar “superior”. Ao invés de aprender e contribuir com a natureza, ele a vê como mera fornecedora de alimentos, além de não a usar de forma justa, extraindo dela apenas o necessário e preocupando-se em repor aquilo que foi tirado. Torna-se um predador da natureza, deixando atrás de si, terra arrasada.
A Terra, já tão machucada, chama o filho à responsabilidade e impõe castigos. Este, porém, confiando demais em si próprio, procura formas de driblá-los; sua consciência não assinala desconforto pelas feridas expostas em sua mãe.
Será o fim da história? Alguns parecem estar despertando. Percebem os desajustes e despertam outros. Sim, há um movimento de aperfeiçoamento da consciência. Será um processo rápido? Nenhuma mudança costuma ser rápida na história, mas, esta, em particular, é urgente, uma vez que nossa mãe sofre. Apressemo-nos a usar nossa voz e nossa ação, capitaneadas por essa nova consciência, para “sacudir” este mundo humano! E oremos para que haja tempo, para que a mãe possa esperar por seu filho um pouco, um pouquinho mais!
*Lúcia Helena Galvão é filósofa, escritora, palestrante e voluntária há 35 anos da Organização Internacional Nova Acrópole do Brasil.