Por Alberto Jorge*
Mais um caso de Intolerância Religiosa – Racismo exigiu a atuação imediata de Organizações da Sociedade Civil e de advogados especialistas em Direitos Humanos, para garantir que um Ogan de Candomblé pudesse ter acesso ao velório de sua companheira, por conta da intolerância de evangélicos.
Após um ano e meio de vida conjugal o Ogan Herbert Jones Cardoso Lopes perdeu sua companheira C. M. A. B., vítima de um câncer agressivo. Não obstante a dor da perda, se viu impedido por familiares da mulher, de ter acesso ao hospital nos momentos derradeiros.
Não obstante a interdição no hospital também foi proibido de participar do velório e sepultamento; a alegação de alguns familiares era de que a morte de C. teria sido causado por feitiçaria, dado a mesma acompanhar o marido nas visitas aos terreiros de Candomblé e Umbanda.
Diante da interdição de caráter criminoso, o Ogan Herbert Jones buscou ajuda do advogado Robert Lincoln, e do Heviossonon Alberto Jorge Silva Obá Méjì, da Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé e da ARATRAMA.
Uma comissão formada pelo Hebyossonon Alberto Jorge Silva Obá Méjì, pelos advogados Robert Lincoln, Cristiano Chixaro e advogada Luciana Santos se dirigiu até a Funerária Recanto da Paz, no Bairro Cidade de Deus onde se realizaria o velório.
No que pese a boa vontade e cordialidade da administração da funerária, o contato entre os participantes da comissão e os familiares da falecida foi marcado por momentos de muita tensão e veladas ameaças. Onde os familiares mais radicais admitiram que apenas o Ogan Herbert tivesse acesso ao velório, não sendo permitido que esse se fizesse acompanhar de mais ninguém e não realizasse nenhum rito de sua religiosidade afro. O que não foi aceito.
O fato levou o advogado Robert Lincoln fazer um Boletim de Ocorrência Policial via on-line, por crime de Racismo – Intolerância Religiosa, praticados pelos familiares mais exaltados. Concomitante as conversas em busca de entendimento, o advogado Cristiano Chíxaro entrou com uma Ação de Medida Liminar para garantir que o Ogan Herbert pudesse ter acesso ao velório e ao sepultamento, podendo realizar os ritos fúnebres de sua religião.
Após duas horas de muita conversa com várias explicações sobre os efeitos da Lei nº 14.532/23, assinada pelo presidente Lula, que mudou a Legislação Brasileira, em favor de quem sofre crime de Injúria Racial (e ofensas religiosas), os familiares mais exaltados demonstraram entender as implicações e punições das Leis Nº 7.716/89 e Nº 14.532/23.
Ao final das tratativas prevaleceu o bom senso e o respeito ao momento de luto e sofrimento; o Ogan Herbert pode velar o corpo de sua companheira dentro dos preceitos de sua sacralidade. Candomblecistas e evangélicos se deram as mãos em um momento de respeito à falecida.
FUI VÍTIMA DE RACISMO, O QUE DEVO FAZER?
A recorrência dos crimes de racismo mostram que urge que se faça cumprir o que diz a Lei. Faz apenas um mês que um pastor evangélico, que participava do Réveillon Gospel promovido pela ManausCult- Prefeitura de Manaus, realizado na noite do dia 30 de Dezembro de 2022, na praia da Ponta Negra, em Manaus, Amazonas, atacou verbalmente os Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana, que participavam do 12º Festival Afro Amazônico de Yemanjá, sem que a ManausCult tenha se manifestado, institucionalmente, sobre qualquer medida tomada para identificar o pastor autor do crime de Racismo e Intolerância Religiosa, ou ao menos apresentar um pedido de desculpas oficial à Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé e ARATRAMA, realizadoras do evento de Yemanjá.
O presente caso de interdição religiosa de evangélicos contra pessoas de Axé em um velório e sepultamento, é o segundo episódio em apenas seis meses, na cidade de Manaus, o que prova a necessidade urgente de uma intervenção do 5º Ofício do Ministério Publico Federal no Amazonas, no sentido de identificar e punir os culpados por esses crimes recorrentes.
A impunidade de líderes religiosos que cometem crimes de Racismo e Ódio Religioso, por meio da internet, emissoras de rádios e televisões, bem como em eventos com a chancela ou realização da municipalidade e do estado, é um incentivo para que as pessoas desavisadas cometam crimes semelhantes.
Até bem pouco tempo os crimes de Racismo e Ódio Religioso não constavam no sistema policial, o que exigia a fundamentação dos delegados ao tipificarem os crimes dessa natureza. Findava que as denúncias nunca eram devidamente tipificadas como crimes de racismo e ou ódio religioso.
Recentemente, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas fez a adequação do sistema para poder fazer o registro. A medida está facilitando, em muito, a realização dos Boletins de Ocorrência. Mesmo assim ainda há muitas delegacias de polícia que não agem com boa vontade, fazendo-se assim necessário que as vítimas compareçam aos Distritos Policiais acompanhadas de um advogado, que conheça bem a Legislação sobre o Racismo, para dessa forma terem sucesso em suas denúncias.
Diante da necessidade de um maior conhecimento da Legislação voltada ao Combate ao Racismo, o presidente da Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé, Lissanon Jonathan Azevedo, anunciou que a entidade, em conjunto com a ARATRAMA, promoverá um Seminário para Orientação de Pessoas de Axé sobre os a Legislação que pune os Crimes de Racismo.
Um dos cuidados que as pessoas das Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana, pessoas pretas e pardas devem tomar, é o de não se deixarem enganar por falsas lideranças sociais, culturais, comunitárias e religiosas, que se juntam com gestores de órgãos governamentais obsequiosos com o Racismo Estrutural e Intolerância Religiosa, na vã tentativa de mascarar crimes dessa natureza cometidos a luz do sol e dos holofotes.
É notório que os capitães do mato teimam em continuar existindo, mesmo após a libertação dos escravizados no Brasil, e não hesitam em fazer conluios em trocas de pequenos favores, com aqueles que momentaneamente estão nas esferas do poder.
O inimigo está bem a nossa porta, e aqueles que se juntam com os que não respeitam nossos direitos, corroborando com o jogo de cena perverso, formam um conluio criminoso que prejudica a luta e a resistência do Povo Negro, desde que o primeiro escravizado pisou em terras brasileiras.
Precisamos RESISTIR, ENFRENTAR E VENCER!
Minha solidariedade ao Ogan Herbert Jones Cardoso Lopes.
Meus agradecimentos aos advogados Cristiano Chíxaro, Robert Linconl, advogada Luciana Santos e ao Lissanon Jonathan Azevedo, pela solidariedade humana, presteza, competência profissional que permitiu que o Direito prevalecesse.
FIQUE POR DENTRO:
A partir de agora, com a Lei nº 14.532/23, assinada pelo presidente Lula, o que muda na Legislação brasileira, em favor de quem sofre crime de Injúria Racial (e ofensas religiosas).
A LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989, Lei Caó, diz em:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei
nº 9.459, de 15/05/97)
Novo Artigo: Lei 14.532/23
• Ofensa Individual
Art. 2º-A Injuriar alguém, atendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça,
cor, etnia ou procedência nacional.
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante
concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.
(…)
• Ofensa Coletiva
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de um a três anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97)
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos,
distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação
do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Novos Parágrafos: Lei 14.532/23
• Crime praticado por meio que permita uma ampla divulgação
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos
meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de
computadores ou de publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
• Crime cometido em atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais
§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de
atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.
• Crime de impedimento, óbice ou violência contra práticas religiosas.
§ 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas
previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou empregar violência contra
quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
Novos Artigos: Lei 14.532/23
Racismo Recreativo
Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.
Racismo praticado por funcionário público no exercício das funções.
Art. 20-B. Os crimes previstos nos Arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas
aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público,
conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.
Fixação de parâmetros de interpretação judicial da Lei
Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.
Necessidade de Advogado ou Defensor Público para a vítima de crimes raciais
(Cível e Criminal)
Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor público.
Injúria Racial – Código Penal
Texto Antigo – Antes da Lei nº 14.532/23
Art. 140 – Injuriar alguém, atendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
(…)
§ 3º– Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Reclusão: reclusa de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Novo texto: Lei nº 14.532/23
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro:
(…)
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à religião ou à
condição de pessoa idosa ou com deficiência:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
As informações neste artigo são de responsabilidade do autor.
(*) Alberto Jorge – Xɛ́byosɔnɔ̀n Alberto Jorge Silva Ọba Méjì
Nascido em 26 de Abril de 1960 em Manaus, AM;
Dotɛ́ do Xwɛgbɛ́ Xwɛgbɛ́ Acɛ́ Mina Gɛgi Fɔn Vodún Xɛ́byosɔ Toy Gbadɛ́
Coordenador Geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana – ARATRAMA
Fundador e Mantenedor da Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé
Formação – Com formação em Filosofia e Teologia pelo Centro de Estudos do Comportamento Humano – CENESCH; Radialista; Psicólogo Clínico Especialista; Doutorando em Psicologia Evolutiva e da Educação.
É Conselheiro Titular do Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais do Amazonas; Conselheiro Titular do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Amazonas; Ex Conselheiro Estadual de Saúde do Amazonas; Ex Conselheiro Municipal de Saúde de Manaus;
Membro do Comitê de Saúde LGBT do Amazonas; pesquisador da Étnocultura dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana; militante há 35 anos nos Movimentos de Negritude, dos Povos Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana, de Defesa, Conservação e Preservação do Meio Ambiente; e de Direitos Humanos.
Bom dia, Sacerdote Alberto Jorge,
Inacreditável que isso ainda aconteça no país como o Brasil, historicamente msrcado pela miscigenação.
Sinto-me envergonhada pela tamanha agressão e ignorância de quem pratica essa intolerância e falta de respeito absolutas.
sua religião.
O que alivia é a aplicação da Lei, assinada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 01/01/2023.
Obrigada, Presidente Lula!!!
Vou imprimir e emoldurar e colocar na minha casa:
(…) Após duas horas de muita conversa com várias explicações sobre os efeitos da Lei nº 14.532/23, assinada pelo presidente Lula, que mudou a Legislação Brasileira, em favor de quem sofre crime de Injúria Racial (e ofensas religiosas), os familiares mais exaltados demonstraram entender as implicações e punições das Leis Nº 7.716/89 e Nº 14.532/23.(…)
Ufa!! Que alívio!!!
Parabéns à ARATRAMA e advogad@s, também à imprensa, divulgar bem isso, deve alertar para que tal tipo de coisas não deve ser repetetida.