Por Alberto Jorge*
Em 2006, a Câmara Municipal de Manaus aprovou o projeto apresentado pela Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana –(ARATRAMA) e proposto pela ex-vereadora Lúcia Anthony (PCdoB-AM).
Em seguida, a ARATRAMA apresentou o mesmo projeto ao ex-deputado estadual Josué Neto (PSD) que o levou ao plenário da Assembleia com aprovação por unanimidade.
O então prefeito Serafim Corrêa (PSB), após forte pressão dos Movimentos Sociais, assinou a Lei Municipal no último momento, dado que no outro dia a Lei seria auto sancionada pela CMM.
Por sua vez, então governador do Amazonas Eduardo Braga MDB não assinou a lei aprovada, que foi auto sancionada por força da Lei, pela própria ALE-AM.
Nesses últimos 4 anos, a data oficial caiu no esquecimento; foi totalmente apagada.
Nem mesmo nas páginas e sites do Governo do Estado do Amazonas e Prefeitura de Manaus há qualquer menção alusiva a data que faz parte do Calendário Oficial por força de Lei.
Para se ter um melhor entendimento da gravidade da omissão, na ALEAM, nem mesmo o deputado estadual Saullo Viana (UB), que é presidente da Comissão de Cultura e Economia Criativa da ALE-AM, e segundo consta, tem “os dois pés na macumba”, fez qualquer alusão à data. Seja da tribuna ou por meio de alguma moção.
Na CMM, palco recente de discriminação e preconceito contra as religiões que “não fazem parte da maioria”, o silêncio não foi maior por conta da moção apresentada pelo Vereador Rodrigo Guedes (PR).
13 de Maio – Uma data controversa
Festejar o 13 de Maio de 1888 é algo divide opiniões.
A famosa Lei Áurea, Nº 3.353/1888, assinada pela princesa regente Isabel, a Redentora, é considerada a lei brasileira com o menor texto já redigido. Tem apenas um parágrafo, com duas frases:
“A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade, o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.”
E nem uma vírgula sobre a reparação, indenização, expiação por 350 de escravidão espúria.
A grande massa de homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos se viu “entregue ao Deus dará, sem eira, nem beira, nem palha de caieira”.
Como diz o samba de enredo da Mangueira, em 1988, na comemoração dos 100 anos da Abolição: “Livre do açoite da senzala, prezo na miséria da favela”.
Nos anos da ditadura militar/civil do Brasil, a lei da “redentora” era exaltada como sendo um ato magnânimo, e, ainda, hoje, capitães do mato como o ex-presidente da Fundação Cultural Palmares tentam, em vão, convencer a população de que a abolição da escravidão no Brasil foi algo magnífico, e não um dos atos mais injustos que se tem conhecimento.
Celebrando Pretos e Pretas Velhos!
Se de um lado o 13 de Maio representa uma grande injustiça contra pretos e pardos, até, hoje, não reparada, há um aspecto que não pode ser esquecido é o Dia dos Pretos Velhos.
A definição do termo, que ao longo dos anos se tornou uma das marcas mais significativas da Umbanda e do Candomblé, tem um sentido que vai muito mais além dos campos místico e religioso.
Os Pretos Velhos representam a Resistência, o Pertencimento Étnico e Ancestral da População Afro-brasileira.
Ao propor a criação do 13 de Maio, como dia oficial da Religião de Matriz Africana, a ARATRAMA buscou ressignificar a data que é largamente comemorado pelo Povo e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana.
Nesse dia milhares de tambores rufam em todo território brasileiro, celebrando as figuras que em suas simplicidades, repletas de sabedoria e resiliência, se tornaram Entidades Espirituais /Divindades pela força da vontade popular, da devoção espontânea das massas, que dispensam os processos formais de beatificação e canonização.
A luta continua.
Na opinião das lideranças dos Movimentos Sociais do Povo Tradicional de Matriz Africana, o atual momento de retrocessos no Brasil exige uma profunda reflexão.
Para o presidente da Associação Cultural Toy Badé, Lissánon Jonathan Azevedo, a invisibilidade impostas pela Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas e Câmara Municipal de Manaus à religião de Matriz Africana é um caso de polícia. “É inaceitável que a municipalidade e o estado celebrem com pompas e circunstâncias o Dia do Padre, do Pastor, da Mulher do Pastor entre outras datas ditas religiosas da “maioria”, enquanto que tudo que tem a ver com a Sacralidade de Matriz Africana, literalmente é demonizado e sepultado no esquecimento, como se fosse lixo tóxico”, enfatizou o Lissánon Jonathan.
Para o Babalaoriṣa Abner de Oxum, presidente da Associação Beneficente Cultural e Religiosa do Ilê Axé Opô Opará, é passada a hora do Povo de Axé reagir.
“Como acontece todos os anos de eleições majoritárias, nossos Terreiros estão recebendo visitas de tudo que é candidato. Todo mundo quer apoio, voto e uma ‘macumbinha’ que lhes garanta um lugar no parlamento ou nas esferas do Executivo. Mas passado esse período, só aparecem na próxima campanha eleitoral. Chega! É hora de nos valorizarmos enquanto cidadãos.”
Gradativamente o Povo e as Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana vêm aumentando o nível de consciência democrática participativa; vários grupos de WhatsApp, de grupos de Facebook com até duzentos e sessenta mil participantes em nível nacional, vêm abrindo discussões e análises sobre seus direitos.
Ainda não será, nesta eleição de Outubro de 2022, que o Povo de Axé conseguirá eleger um número minimamente expressivo de parlamentares que o represente, mas de certo já caminha a passos largos para ocupar seu lugar de direito na vida política do Brasil.
As informações neste artigo são de responsabilidade do autor.
(*) Alberto Jorge – Xɛ́byosɔnɔ̀n Alberto Jorge Silva Ọba Méjì
Nascido em 26 de Abril de 1960 em Manaus, AM;
Dotɛ́ do Xwɛgbɛ́ Xwɛgbɛ́ Acɛ́ Mina Gɛgi Fɔn Vodún Xɛ́byosɔ Toy Gbadɛ́
Coordenador Geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana – ARATRAMA
Fundador e Mantenedor da Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé
Formação – Com formação em Filosofia e Teologia pelo Centro de Estudos do Comportamento Humano – CENESCH; Radialista; Psicólogo Clínico Especialista; Doutorando em Psicologia Evolutiva e da Educação.
É Conselheiro Titular do Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais do Amazonas; Conselheiro Titular do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Amazonas; Ex Conselheiro Estadual de Saúde do Amazonas; Ex Conselheiro Municipal de Saúde de Manaus;
Membro do Comitê de Saúde LGBT do Amazonas; pesquisador da Étnocultura dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana; militante há 35 anos nos Movimentos de Negritude, dos Povos Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana, de Defesa, Conservação e Preservação do Meio Ambiente; e de Direitos Humanos.